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domingo, janeiro 08, 2006 Pérolas... "Eu lia nos olhos dele as milhares de vezes em que tinha imaginado este momento, os cenários que tinha construído em nosso redor, o cabelo que eu deveria estar a usar e a cor da minha roupa. Eu queria dizer "sim", que ele seria bem-vindo, que o meu coração tinha vencido a batalha. Eu queria dizer o quanto o amava, o quanto o desejava naquele momento. Mas continuei em silêncio. Assisti, como se fosse um sonho, à sua luta interior. Vi que tinha diante dele o meu "não", o medo de me perder, as palavras duras que ouviu em momentos semelhantes da sua vida - porque todos nós passámos por isso, e acumulamos cicatrizes. Os seus olhos começaram a brilhar. Sabia que ele estava a vencer todas aquelas barreiras. Então, soltei uma das mãos, peguei num copo e coloquei-o na borda da mesa. - Vai cair - disse ele. - Exacto. Quero que o derrubes. - Partir um copo? Sim, partir um copo. Um gesto aparentemente simples, mas que envolvia pavores que nunca chegaremos a perceber. O que há de errado em partir um copo barato - quando todos nós já o fizémos, sem querer, pelo menos uma vez na vida? - Partir um copo? - repetiu ele. - Porquê? - Posso dar algumas explicações - respondi. - Mas, na verdade, é apenas por partir. - Por ti? - Claro que não. Ele olhava para o copo de vidro na borda da mesa - preocupado com que caísse. "É um ritual de passagem, como tu mesmo dizes", tive vontade de dizer. "É o proibido. Copos não se partem de propósito. Quando entramos em restaurantes ou nas nossas casas, temos cuidado para que os copos não fiquem na borda das coisas. O nosso universo exige que tomemos cuidado para que os copos não caiam no chão." "No entanto", continuei a pensar, "quando os partimos sem querer, vemos que não foi tão grave assim. O empregado diz "não tem importância" e nunca na minha vida vi os copos partidos serem incluídos na conta de um restaurante. Partir copos faz parte da vida e não causamos nenhum dano a nós próprios, ao restaurante, ou ao próximo." Eu dei um empurrão à mesa. O copo balançou, mas não caiu. - Cuidado! - disse ele, instintivamente. - Parte o copo - insisti eu. "Parte o copo", pensava comigo mesma, "porque é um gesto simbólico. Procura entender que eu parti dentro de mim coisas muito mais importantes que um copo e estou feliz por isso. Olha para a tua própria luta interior e parte esse copo. "Porque, os nossos pais ensinaram-nos a ter cuidado com os copos e com os corpos. Ensinaram-nos que as paixões de infância são impossíveis, que não devemos afastar homens do sacerdócio, que as pessoas não fazem milagres e que ninguém vai em viagem sem saber por onde vai. "Parte esse copo, por favor - e liberta-nos de todos esses malditos conceitos, essa mania que se tem de se explicar tudo e só fazer aquilo que os outros aprovam". - Parte esse copo - pedi mais uma vez. Ele fixou os seus olhos nos meus. Depois, devagar, deslizou a sua mão pelo tampo da mesa, até tocá-lo. Num movimento rápido, empurrou-o para o chão. O barulho do vidro a quebrar-se chamou a atenção de todos. Ao invés de disfarçar o gesto com algum pedido de desculpas, ele olhava-me a sorrir - e eu sorria para ele. - Não tem importância - gritou o rapaz que atendia às mesas. Mas ele não ouviu. Tinha-se levantado, agarrara-me os cabelos e beijava-me." Paulo Coelho, Valquírias escrito por Rogério Junior às 22:59. |
Sobre mim Tenho 21 anos. Escrevo por gosto e por necessidade. Acredito nos sonhos e tenho alguns. Sou apaixonado pela Vida e pela Arte. Já escrevi poemas, canções e algumas palavras presas. Escrevo momentos. Alguns em delirio. Nunca editei um livro. Outros devaneios Momentos que leio
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setembro 2005 Diversos
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