domingo, fevereiro 05, 2006


devaneios reais...

Parei por instantes num banco de jardim. os meus companheiros de tarde têm mais do triplo da minha idade, chegaram a um patamar da vida em que não esperam nada. Sentam-se no banco do jardim e ficam parados a olhar a estrada e a outra berma.
Deixa-me tentar mostrar-te em palavras o ambiente. Acreditas que as palavras criam imagens? Tenta acreditar.
O banco é castanho e gélido. O sol bate-lhe mas a madeira quase não aquece. os corpos postrados e encasacados não se movem. Ninguém passa. Quem está deixa-se ficar. A estrada é estreita e de pouco movimento. Como nas aldeias, sabes como é? Um carro aqui, outro mais além. A vista não se prende nesse escasso movimento. Não é suficiente. O banco castanho e gélido virado para a estrada tem outro motivo, e esse é cruel. Talvez demais. Do outro lado só existe uma casa.
A casa é triste e não está pintada. Porque é que é triste? Espera! Deixa-me mostrar-te a casa. Já te disse que não tem cor? Também tem um jardim com duas árvores, daquelas que estão sempre verdes sem precisarem de muitos cuidados. As pessoas que lá habitam não têm muito tempo livre. Pelo menos para o jardim. As vedações são altas e pouco mostram do mundo para além delas. Não são necessárias mas são regras. É uma casa virada para a estrada. E para um banco de jardim, castanho e gélido.
Os meus companheiros de tarde olham com sofrimento para ela. Dariam tudo para não atravessar a estrada, dizem-mo com o olhar. Como os compreendo bem. Deste lado a vida é sempre igual, diz-me um velhote bem vestido que está sentado ao meu lado, mas do outro... não há vida.
São corpos que permanecem, que saem e entram sem alma, sem um motivo para continuarem para o amanhã.
Mas desculpa, estava a descrever-te a casa. É que às vezes perco-me. Já te disse que a casa não tem cor? É um bloco de cimento ladeado de estradas quase desertas, e do lado de dentro da alta vedação não se vê mais que o nada. Por esta altura já deves ter uma idéia da casa que te falo.
Lembras-te de te dizer que o meu companheiro estava bem vestido? É um facto. Eu achei estranho. Não achaste? Pois bem, é simples e ele diz-me o porquê em poucas palavras. O ritual do banco do jardim é rotineiro, todos os dias desde que não chova ele está lá. Sentado. Sem esperar nada nem ninguém. Mas é como completa os dias todos. Por isso se veste bem, porque é o único destino que tem na vida que lhe resta. Embora bastante abatido não o transmite para quem passa. E isso dá-lhe um certo conforto, as pessoas passam indiferentes e não vêm um vagabundo, nem um abandonado. Vêem sim uma pessoa. Uma simples pessoa que parou por instantes para descansar num banco de jardim. Castanho e gélido. Engana-os a todos. Conhecidos e desconhecidos. Fala de futebol e do tempo se lhe fazem perguntas, e depois volta ao silêncio. Porque não tem mais nada. Apenas um olhar triste e vazio para a outra margem. Para a estrada. Para a passadeira. Para a casa.
Já te disse que do outro lado há uma casa sem cor? E disse-te que essa casa tem uma placa com letras garrafais que diz "Lar"? Acho que me tinha esquecido.
Talvez agora compreendas porque é que o meu companheiro e os demais não querem atravessar a estrada.
Conseguiste ver o meu companheiro, a estrada, a casa e o banco, castanho e gélido?
Eu levantei-me agora dele. Voltarei a sentar-me lá para fazer companhia ao meu companheiro. Fazes-me companhia?

escrito por Rogério Junior às 17:53.


Sobre mim

Tenho 21 anos. Escrevo por gosto e por necessidade. Acredito nos sonhos e tenho alguns. Sou apaixonado pela Vida e pela Arte. Já escrevi poemas, canções e algumas palavras presas. Escrevo momentos. Alguns em delirio. Nunca editei um livro.

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